Esta seção reúne escritos curtos, entre o ensaio e o aforismo, onde atravessamentos existenciais ganham forma reflexiva. São fragmentos situados nas bordas da filosofia, da fenomenologia, da psicanálise e da arte — registros de deslocamentos, rupturas e contornos de sentido. Não se trata de textos conceituais no sentido acadêmico estrito, mas de movimentos de pensamento. Alguns trechos estão em português, outros em inglês.
This section gathers short writings, somewhere between the essay and the aphorism, where existential crossings take on a reflective form. These are fragments situated at the edges of philosophy, phenomenology, psychoanalysis, and art — traces of displacements, ruptures, and contours of meaning. They are not conceptual texts in the strict academic sense, but movements of thought. Some excerpts are in Portuguese, others in English.
The Eternal Return
Tomorrow is not another day.
It is yesterday, disguised as today.
Is it?
From Sorge to Care
Existence does not lean — it projects itself ahead.
And in that projection, it cares.
This care is not added to being; it reveals it.
To be is already to be exposed — and thus, to care.
Cuidado que Liberta
Nem todo gesto de ajuda é cuidado.
Há formas de estar-com que sufocam, mesmo quando bem-intencionadas.
Cuidar não é ocupar o lugar do outro — é sustentar o espaço para que ele possa ocupá-lo.
Quando o cuidado se antecipa ao desejo, ele tutela.
Quando se impõe à escuta, ele substitui.
E quando se oferece como única via, ele cala.
Cuidar, no sentido mais radical, é não roubar a possibilidade do outro ser quem é.
É estar ao lado sem capturar, é fazer-se presença sem impor direção.
É devolver ao outro aquilo que lhe foi tomado:
a palavra, a escolha, o tempo.
Contornos do Não-Lugar
Certos modos de presença não são reconhecidos como válidos para ser. E o não reconhecimento se expressa em gestos, inscrevendo-se em repetições, rituais, neuroses. Não há confronto — apenas um limite intransponível mantido com polidez e encarcerado no inconsciente.
Nessas estruturas, a entrada depende de um tipo de autorização invisível, tácita, que nunca se formula. Quando ela não se dá, tudo o que escapa ao previsto é lido como desmedido. E o desmedido não encontra acolhida. É delimitado e silenciosamente recalcado.
Então, a existência se vê, sem alarde, em um não-lugar. Mas ela não se dissolve. Sua continuidade dependerá de outros atravessamentos, em outras margens.
The Unbending Line
No allegiance is declared.
No belonging is pursued.
Movement without audience. Loyalty without display.
There is a line that does not bend —
not out of pride,
but out of structure.
Deslocamentos Silenciosos
Há experiências que são movimentos internos, lentos — onde algo que parecia promissor simplesmente fenece. O que se chamava de espaço de escuta esvazia-se. Nada se nega — apenas se ausenta. E o que não encontra presença no outro retorna à fonte que o gerou: não por escolha, mas por exclusão.
O trajeto, então, se reconfigura. Alguns acontecimentos não falham. Apenas cessam antes de começar. Mas ainda assim deixam marcas como inscrições do real no simbólico. E no silêncio revelam o deslocamento.
Ou o resto.